Mãe em Crise

Bento é uma extensão. Uma versão minha condensada. Impaciente, urgente, puro, espontâneo, mandão, amoroso, grudento. Como eu mesma sou de uma forma controlada.

Na montanha russa do nosso dia-a-dia, caminhamos por todo tipo de emoção. Do carinho deitados na cama pro estresse de trocar uma fralda em meio segundo. Da alegria de se encontrar para a birra porque não posso deixar que ele enfie o dedo na tomada. Da satisfação de ter a coisa mais linda do mundo pro cansaço de ser mãe 24h. Do desespero de ter que dar conta de ter um filho para criar à gratidão de ter um filho para amar.

Eu choro de amor.

Diversos momentos me iludo parcialmente com desejo de liberdade. Descanso. Paz. Um dia sem ter que trocar fralda. Catar comida espalhada. Mas isso é só uma ilusão. Parcial.

Bento dormiu pela primeira vez com o seu pai. Ele estava passeando com o pai enquanto eu treinava. Fui busca-lo. Quando chegamos no carro, abri meus braços para coloca-lo na cadeirinha. Agarrado no cangote do pai, deu as costas pra mim.

“Não!” Disse franzindo a testa.

Eu ri. De nervoso. Investi mais algumas vezes. Mesma resposta: “Não.” O pai ria e certamente se orgulhava da preferencia. Num teste, se afastou com Bento no colo. Você pensa que o ingrato chamou a mamãe? Ao contrario, me dava tchau. O pai gargalhava.

Fiquei congelada na porta do carro com a cabeça apoiada no capô.

-Deixa ele comigo? – perguntou o pai.- se ele reclamar, levo ele pra vc.

E se quem reclamar for eu? “Seja madura, Fernanda, seja madura.” Os dois sumiram da minha vista e me vi sozinha com meu carro. Cheguei em casa sem acreditar na rejeição, mesmo que contente pela sua identificação crescente com o pai. Eu não tinha banho pra dar, fralda pra trocar, comida pra limpar. Também não tinha ninguém para ligar. Tipo “Tá aí no bar? Pede um chope que eu tô chegando.”

Cheguei em casa perdida com a ordem das coisas que eu tinha que fazer. Fiquei feito uma mãe neurótica sem vida falando com o pai pelo telefone para saber se Bento estava bem. Bem melhor que eu, sem dúvida. Parecendo uma mãe clássica, sabia que só me faltava a bermudinha social, o mocacin, uma batinha e os ciúmes da nora para realmente incorporar o personagem.

Dormi mal, se é que dormi. Pensamentos diversos me acometiam. Será que tenho sido uma chata? Será que serei a vilã e o pai o herói? Será que mais tarde ele não vai querer morar comigo? Como educa-lo sem ser um sargento e cultivar nossa amizade? Posso pedir que o Bento seja o bebê da mamãe pra sempre ou é muito edipiano? Como dar liberdade pra ele e aproveitar a minha? O que é a minha vida sem o Bento?

Por fim, sem o Bento, prefiro morrer.

Choro de amor de novo.

Ás 5:00 tocou o meu despertador e 5 minutos depois chegou mensagem do pai: “ele acabou de acordar.” Respondi: “ele é o meu despertador”. Me arrumei cabisbaixa para treinar. Sem bebê para vestir, sem mochila para arrumar, sem aquele pedaço de gente gritando “mais” na porta da geladeira para comer. Eu só tinha que me vestir e sair. Nada mais. Eu devia estar pulando de alegria! Mas estava assustada e com medo. Pode rir. Pode achar exagero.

Fui treinar sem a menor vontade. Em seguida, atendi uma paciente e fui buscar o Bento.

Que não quis vir no meu colo. Que não estava com saudade de mim. Que ficou feito um filhote de macaco grudado no colo do pai. Que me deu mais uns 5 “nãos” e um tabefe. ” Chegou a megera! Me salva, pai!” Eu via esses balões saltando da sua cabeça.

“Deus, tenho que reconquistar meu filho!” Fiquei uns 15 minutos tentando seduzi-lo. Consegui sem choro, sem trauma, sem estresse, colocá-lo no carro. O pai se despediu com a constatação de que entre idas e vindas Bento sofrerá sua ausência e, em breve, nos cobrará mais e mais sua presença. Um misto de dó e felicidade. Tem amor ali e amor, ainda que dor em certos momentos, é vital. Amor abre o peito, eleva a imunidade, nos dá força pra crescer.

Voltamos pra casa conversando. À tarde dormiu no meu colo agarradinho. Brincamos no quintal. Minha paciência, antes impaciente, parecia renovada. Medo. Medo de ser só a chata que educa. Medo de entrar num túnel estressante e me tornar quem eu não sou. Ou de não mostrar ao Bento o amor que lhe tenho.

Exagero? Não me importa. Importa a mãe que quero ser.

Sentados para jantar, Bento, sob efeito da ausência, constatou o inevitável:

“Tau, tau, papai. Tau, tau, papai.”

Alívio? Não. Mais ambiguidade.

-Filho, papai te ama. Ele foi pra casa, mas ele volta.

Limpei casa, lavei louça, dei banho, vesti, dancei para ele rir, cantei para ele dormir. Sem tempo pra muito pensar, me joguei na cama e apaguei.

“Bento, você está gritando, são 5 da manhã, tá todo mundo dormindo…”

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