27 de maio de 2013

Mãe solteira, não viaje.

[Bia, não se chateie comigo. Seu aniversário foi ótimo e eu fui porque você merece.]

Mãe solteira, assim como eu, você vai acreditar quando as pessoas te disserem “É tranquilo você ir com o Bento, Fê! A gente te ajuda!” As pessoas ajudam, mas a criança é sua e o saco transbordante também.
Quinta feira, passei uma madrugada no melhor estilo exorcista: vomitando e cagando em jato – só falando assim para ilustrar o que me ocorreu. Não satisfeita, acordei às 5am e fui treinar com uma coca-cola em punho. Resultado: eu era um cocô (fraco) boiando pela Lagoa. Voltei pra casa e fiquei de cama. O dia inteiro. Comi uma banana às 15h. Suava frio debaixo do meu edredom. Beirando a morte, supliquei que a diarista dormisse, para que, pelo menos, da beira eu saísse. Passei a madrugada comendo polvilho – era o que me descia – e amamentando. Pela manhã da sexta feira, dei dois passos para trás da beira da morte e já comecei a achar que estava bem. Não demorou muito, meu cartucho de energia já estava gasto.

– Bia, não sei se vou amanhã… Ir pra lá pra me exaurir sozinha com um bb não vai rolar
– Ahhhhhhh tu para hein!!!
– Bia, não dá, cara. Ficar sozinha com um bb e geral se divertindo não dá. Não vou ficar carregando pedra com cara de brava.
– Eu te ajudo! Mas se você não ficar bem, tranquilo! Te entendo. Pensa com carinho.

É, mãe solteira e teimosa como eu, a gente quer e não quer. Queremos ser inseridas nas atividades divertidas com os coleguinhas, mas com um bebê a tira colo, não podemos dizer que fica tão divertido assim.

Eu fui. Sabia que não devia. Tinha que me recolher à minha insignificância e ficar em casa com a criança, rezando para desabar feito um pedaço de madeira de lei na cama quando ela resolvesse dormir. Só assim é possível sobreviver ao final de semana sem ajuda e chegar na segunda feira com alguma disposição.

Fui. Fui empolgada. Alegre e conversante. Não fui dirgindo, o que já é um grande negócio. Bento tomou uma surra de peito antes de entrar no carro e foi até o hotel fazenda dormindo.
“Rezemos ao Senhor: Aaaaaaméeeeen.”
Chegando lá almoçamos e, em seguida, fomos jogar paintball. [Por que Fernanda foi? Por quê?!] Me dirigi ao local cambaleando e todo meu cansaço ao subir uma rampa me engoliu. Eu queria estar me divertindo, queria muito, mas eu só pensava em sentar, dormir, calar a boca, parar. Coloquei macacão e ensaiei uns tiros, tentando evocar meu espírito guerreiro.

– Espírito guerreiro! Espírito guerreiro! Cadê você, meu filho? – eu berrava alto.

Nem eco fazia.

– Olha a cara de empolgação da Fê! Hahahahahaha

Pensa numa cara feia, numa olheira medonha sem corretivo, num olhar arrasado. Era eu. Eu ria de canto de boca, porque até pra sorrir estava difícil.

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disfarço bem, não acham?

Me encaminhei ao campo de batalha, sufocada naquela roupa gigante e com os óculos embaçados. Fiquei num ponto do mato guardando caixão, não podia me dar o luxo de correr cega, pesada e cansada por entre leões.
No fim do primeiro jogo, tomei um tiro na perna. Doeu e achei que estivesse sangrando. Cansaço. Sinais de cansaço. Ficaram com o Bento para eu jogar. Eu pensava que podia ter sido para dormir.

No segundo jogo, minha arma começou a travar. Fiz cara de pena, mas no fundo estava festejando – liberdade! Tirei aquele raio daquela roupa e desci a rampa mortífera saltando.

Eu estava empenhada em ficar bem, não reclamar e parecer uma mãe feliz dando conta de tudo. Porém, minha magreza de 23kg a menos não escondia minha exaustão. Pegavam Bento no colo e, até os homens, reclamavam seu peso. Meu bebê tem 13kg, mas com sensação térmica de 50kg. Entende? Seus braços fadigam, perdem a circulação, gangrenam pra segurar ele. Eu não estou apenas cansada de não dormir 9 meses e meio, de amamentar a cada 3 horas inclusive de madrugada. Soma-se ao meu cansaço o fator peso pesado do meu filho. Admito que o exibo com orgulho devido ao seu tamanho – ele é muito saudável – mas na prática, seu peso não colabora pra minha saúde.

Fomos tomar um café. A conversa estava acalorada. Eu tomava um chocolate quente com Bento no colo, toda alegrinha. “Estou indo bem, estou indo bem, quase não dá pra notar minha irritação.” Até que Bento deu um tapa no meu chocolate quente e nos cagou inteiros!

– Ca-ra-lhouuu! Puta que o pariu (no caso, eu mesma)! Porra! Não posso tomar uma merda de um café!!! – estou falando isso alto?

Bastou aquilo e toda minha elegância foi embora. Abriram a represa da minha insatisfação. O mote foi o chocolate quente derramado. Me olhavam assustados. Bento não tinha culpa, crianças normais dão tabefes em tudo que alcançam.

Jantamos com a criança entupida e friorenta querendo dormir. A comida nem desceu e já estava eu com meu pedregulho no canguru saltitando pelo hotel para fazê-lo dormir.

Dormimos. Bento acordou diversas vezes à noite, como era de costume. Às 4:50 am resolveu levantar de vez e, mesmo que minha roomate dissesse que seu choro não atrapalhava, atrapalhava a mim. Novamente, coloquei o pedregulho no canguru e saí do chalé no frio de 10 graus para adormece-lo. Eu cantava escravos de Jó, mas minha cabeça era um balão repleto de palavrões. Frio da porra!

Lá pelas 6am, Bia entrou no quarto, levou Bento para mãe dela e me deu um vale de sono de 1 hora. [Bia, quando eu morrer, ainda lembrarei desse gesto bondoso.]

Pela manhã, Bento se transformou numa batata quente graciosa. Ganhei um vale café da manhã. E que café da manhã! Dessa vez, foi a Fabi. Levou Bento com o auxílio da Alice, sua filha de 4 anos.
– Alice, você quer brincar de boneca? – eu perguntava a ela e entregava o Bento. Ela me olhava desconfiada.
Enganam a gente na infância, ter filhos é muito diferente de qualquer brincadeira de boneca. A boneca não reclama na hora exata que você resolve almoçar, lanchar, urinar. Enganam a gente. Alice é só mais uma criança enganada. Bebês de verdade produzem coriza no frio, detestam trocar fraldas e dão tapas no seu chocolate quente. Pior que isso, as meninas brincam de boneca sozinhas! Cadê o pai da criança, minha gente? Lembro quando eu era do jardim, cada dia a gente tinha um namorado. Quando chegou o dia do meu namorado favorito, o forcei a brincar de boneca. Sua cara de tédio transparecia. Isso porque não era um boneco de verdade…

Adivinha a cena a seguir? Isso mesmo. Fernanda quicando com o pedregulho no canguru, pedregulho quer dormir.

[Filho, se você tem 15 anos e está lendo isso aqui, saiba que você foi o único pedregulho que ousei carregar no colo e no coração. Não se chateie.]

Pedregulho dormiu e mamãe urso não podia se jogar numa cama porque estava longe. Pelo menos pôde conversar com as pessoas. Pedregulho acordou, pedregulho quer andar com a mamãe. Andamos bastante e depois almoçamos. Pedregulho ficou entediado e começamos a andar de novo- cansou? Calma que tem mais – Pedregulho evacuou, limpa pedregulho. Quando acabei de limpar pedregulho, vi as pessoas longe, indo pra outro lugar. Me esqueceram. Eu não podia correr. Tentei gritar, mas não me escutaram.

Aceite, não dá pra acompanhar “a galera”. Sua vida social se esvai e você não quer acreditar. A galera queria ir na piscina aquecida. Fui trocar de roupa e quando voltei, desistiram. Foram andar a cavalo, eu não pude ir. Saíam de um lugar para outro com facilidade e eu tentava seguir com meu pedregulho no carrinho. Não dá, esquece.

Logo após o almoço, pedregulho queria mamar, hora da sobremesa. Dá peito pro pedregulho. Pedregulho dorme. Mamãe urso arruma mala e leva pedregulho dormindo pro carro.

Pedregulho acorda e? Vai resmungando metade da viagem. Sério, é a coisa mais insuportável do mundo. O moleque bravo na cadeirinha, chorando e fazendo raivinha. Eu queria me jogar pela janela, mas aguentei firme. No final, mamou e dormiu – Filho, não podia ter dormido antes?

Chegando em casa com 4 bolsas, 1 carrinho, apertada para fazer xixi e com o bebê gritando no banco de trás, me dei conta de que não sabia onde estava minha chave de casa. Baixou o demônio em mim e eu isolava tudo o que tinha dentro de cada bolsa à procura da maldita chave. A vizinha tentou me ajudar, mas eu estava possuída. Pulei a porta de casa e vi meu quintal todo cagado das cachorras, seus potes sem água, sem comida e a porta de dentro da casa aberta – o que, na prática, me salvou. Mas não podia!!! Minha cabeça latejava, meu corpo estava cansado. Arrumei tudo, dei jantar pro Bento e me atirei na cama.

No silêncio do meu quarto me prometi: “Nunca mais viajo com Bento sozinha. Nunca mais.”

 

Agradecimentos especiais à Margareth, Bia, Fabi, Alice, Yanka e João.

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