Sentar no chão: Investimento com retorno garantido

Semana passada, visitei uma escola da zona sul do Rio de Janeiro. Na secretaria fui informada de que teria que agendar visita – não poderiam me mostrar a escola num pequeno tour de 10 minutos. Mesmo assim, na saída da secretaria cruzei com uma sala onde crianças e professoras assistiam uma TV.

Passei e voltei na mesma hora. Aquilo me chamou a atenção! Na entrada da sala, uma placa informando que aquela turma era Maternal II, ou seja, crianças que haviam completado 2 anos até o dia 31/03/2014. Na TV passava Discovery Kids com o desenho Peppa Pig. Desenho esse que só conheço por estar presente em vários grupos de mães pela internet e também por inúmeros produtos espalhados pelas ruas da cidade. O que pra mim já é voto contra. Fiquei chocada. Como uma escola que cobra o olho da cara pode hipnotizar e incitar o consumismo em crianças de 2 anos? Foi o primeiro susto que tomei ao visitar uma escola. Cheguei em casa e fui publicar um post na fã page do blog. Nem imaginei a repercussão que teria. Muita gente concordando que era um absurdo. Parte conformada com filhos em escolas que oferecem TV e outra parte abominando a situação. Parte me esculhambando – e até agredindo verbalmente o Bento – talvez em defesa da própria escolha pela televisão. Não venho aqui dizer o que cada um deve fazer em casa. Sempre dou sugestões e minha cara à tapa no blog, mas isso aqui não é uma seita. Dou o meu melhor na criação do meu filho e partilho esse desejo com outras mães. Se sou bem sucedida ou não, são outros quinhentos. Não ofereço TV ao Bento, nem a mim mesma. Em 2010 mudei de apartamento e demorei a instalar a NET. Parece que me desintoxiquei de tal forma que comecei a achar TV uma porcaria – e olha que eu era uma noveleira! Fui uma criança gordinha comendo chitos e vendo sessão da tarde, até que descobri o remo e tudo mudou. Imersa em textos discutindo o que oferecer à crianças, nunca me deparei com algo que incentivasse TV para crianças de 2 anos.

Em virtude de tamanha polêmica, passei o resto da semana anterior lendo e respondendo mensagens. Achando que deveria escrever a respeito, pedi à Natália Berger, sócia/diretora do Ateliê – centro de desenvolvimento infantil, fisioterapeuta, psicomotricista, para escrever algo, já que está em contato com diariamente com o assunto em larga escala, não só atuando diretamente com crianças como dando cursos e palestras. Acrescento que Bento frequenta o Ateliê e que as práticas e tratamentos lá oferecidos me agradam muito – o que fortaleceu minha vontade de publicar um texto dela.

A cada dia a oferta de desenhos animados e programas infantis têm invadido nossas casas e também as escolas (pasmem!). Um bombardeio, de estímulos vazios e pouco saudáveis.

Uma coisa porém é certa, a indústria gigantesca que movimenta esse meio de comunicação tão atrativo não está nem um pouco preocupada com o desenvolvimento cognitivo, social e emocional dos pequenos. “Ah, mas esses desenhos e programas são pensados e desenvolvidos por educadores”. Desconfio. Desconfie. Parecem mais estar ligados à indústria marketeira e de consumo, do que à educação. Tudo o que é brinquedo, pratinho, pelúcia, copinho, toalhas e roupas de cama estão ligados à televisão, já notaram? A conclusão é simples: televisão não educa, engessa. Televisão não ensina, mecaniza pensamentos e comportamentos. Nada, nadinha mesmo substitui uma interação de qualidade com o ambiente e com as pessoas. Sabe-se que sentar pra brincar com uma criança dá trabalho, mas é um investimento e tanto à saúde mental dos pequenos.

Querem falar sobre a aprendizagem? Pois bem, a construção da aprendizagem é baseada em troca com o ambiente e com as pessoas que cercam o universo das crianças. Aprendemos com o ambiente e com o que as pessoas mobilizam em nós (emoções), mas também aprendemos com o que nós mobilizamos no ambiente e nas pessoas, e, definitivamente, a televisão é uma via de mão única, não há troca.

Criança precisa de vivências e sensações diferentes, relacionadas à visão, tato, audição e movimento. Precisa ser surpreendida por diferentes emoções e ações, para que seu cérebro possa estar preparado para dar respostas diferentes, criativas, dinâmicas e adaptadas para cada situação, e a TV não responde as ações e emoções vividas pelas crianças.

A televisão não precisa existir na educação infantil, definitivamente não.

Precisamos ser radicais? Não. Óbvio que não. Mas precisamos ser cautelosos e, principalmente, criteriosos. Os pequenos, principalmente os bem pequenos, não podem ser bombardeados por estímulos visuais e auditivos apelativos para que cresçam saudáveis e felizes.

Criança foi feita pra brincar, com o outro, mas também sozinha. Em grupo, em trio, seja com que for! No quarto, na sala, no play, no clube ou na escola, seja lá onde for!

As crianças estão cada vez mais dependentes da TV. Para comer em casa ou no restaurante, para esperar a mãe e o pai se arrumarem pra sair, para fazer companhia no carro no trajeto de casa para a escola (nos DVDs portáteis), para esperar o irmão terminar de comer e para esperar a mamãe terminar de falar ao telefone com a vovó. Quando percebemos, ela está presente o tempo TODO. O tempo de tolerância deles pela espera está cada vez menor, se frustrar então, nem pensar. E isso me preocupa muito, muitíssimo. Crianças precisam saber lidar com o tédio, com a espera, com a impaciência, com a frustração. Será que só conseguimos contornar esse tipo de sentimentos com TV?

Se apegar a Peppa, aos Backyardigans, ao Doki ou ao Jake se tornou uma bengala emocional para os pequenos. Quando ninguém está por perto, ela, a fantástica TV me faz companhia e me assegura emocionalmente. Mas isso é uma grande ilusão. Segurança emocional vem de relação de qualidade e rica interação com o ambiente. É no brincar, somente no brincar que a criança pode ser criativa, e é somente sendo criativa que ela descobre e vivencia todo o potencial do seu verdadeiro eu, já dizia Winnicot, um dos grandes estudiosos e entendedores da mente infantil no livro “O brincar e a realidade”.

Na dúvida entre proibir, moderar ou incentivar, experimentem sentar no chão mais tempo para brincar com as crianças. O resultado desse investimento vem mais rápido do que vocês imaginam. Vale a pena!

Natália Berger é sócia/diretora do Ateliê – centro de desenvolvimento infantil, fisioterapeuta e psicomotricista especialista em desenvolvimento infantil.

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