Foi mal, filho

O telefone tocou. Meu primeiro pensamento ao notar que já havia escurecido foi “Quem liga para um telefone fixo de madrugada? Vou passar a desligar a campainha deste telefone à noite.”
Deitada na cama com o corpo pesado, estimava que eram umas 5 da manhã. Foi quando olhei para o lado da cama e… Cadê o Bento? Sério, cadê o Bento?

Busquei na minha memória ainda lenta como havia sido aquele dia. Onde deixei o Bento? Deitei para dormir à tarde e? E? E?

Não acordei.

Bento! Fudeu! Corri para o telefone e atendi:

– Boa tarde, aqui é da Espaço Envolvimento, poderia falar com a Fernanda?

– É ela. – infelizmente é ela…

– É que gostaríamos de saber se tem alguém vindo buscar o Bento.

– Eu.

Ploft. Desliguei o telefone e senti vontade de chorar de vergonha, aflição e pena do Bento. Eram 18:15 – Bento sai às 17:30- eu havia deitado para um cochilo às 14h e simplesmente não acreditava que passaria das 17h dormindo.

Eu não dirigi, eu voei. E no caminho fui tirando as remelas dos olhos. Fechando o zíper do short. Ajeitando os cabelos desgrenhados. Inventando uma desculpa ou transferindo minha culpa. O que dizer? Que meu pai esqueceu de pega-lo? Que mandei mensagem para alguém buscar e esse alguém não viu? Existe outro responsável além de mim? Eu queria que sim.

Voei e cheguei na escola. Bento brincava com mais duas crianças e a coordenadora. Olhei pra ela e disse em tom de pedido de misericórdia:

– Dormi. Mil desculpas. Estou completamente envergonhada. E exausta. Há mais de 15 dias me mudando.

A coordenadora me acalmou, mas lá dentro o meu próprio chicote cantava. Minha falha foi um flagrante.

Bento quando me viu, sorriu e continuou a brincar. Aliás, não queria ir embora. Não sei se era porque lá estava maneiro ou se em minha retaliação.

Depois das minhas investidas, entrou no carro, chorou e dormiu.

Parada no trânsito de volta para casa com a criança dormindo, eu mal conseguia respirar. Mesmo agora, duas horas depois do acontecido, escrevo debaixo de coração em leve taquicardia e bochechas ruborizadas de vergonha.

Foi mal, filho, foi mal.

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