Cicatriz

Estava de barriga e avental cirúrgico hospitalar – que o-de-i-o. Sou do tipo de pessoa que não nasceu para o ambiente hospitalar e, se arrependimento matasse, estaria morta. Devia ter me embrenhado pelos matos desse Brasilzão e parido num lugar diferente. Naquela sala branca, de ar condicionado gelado, de pessoas geladas, toca um telefone numa bancada e eu atendo. Era o pai do meu filho.

– Oi, tô aqui na sala de pré parto. Vão me levar agora pro centro cirúrgico e ele vai nascer…

Enfermeiras de branco – ou seriam amigas espirituais – me olhavam com aquela cara de “vamos lá?” para me encaminhar ao centro cirúrgico, e foi aí que me bateu uma coisa no peito. Me dei conta do que estava acontecendo. “Estou indo parir sem estar em trabalho de parto, vou tomar uma anestesia e ficarei imobilizada. Além disso, 7 camadas da minha barriga serão cortadas! Nããããããooooooo!” Segundo arrependimento, remorso, mágoa, frustração deflagrada: minha cesariana necessária. A cicatriz dela ficou não só na minha pele, mas na minha alma. Alma de quem queria estar de pé ou sentada no próprio períneo para olhar seu filho de frente. Pode parecer xiitismo, e teria sido melhor não ter tanto desejo, mas senti assim. Paciência… A cicatriz olha pra mim todos os dias e a emporcalho com cicatricure para que desapareça. Mesmo sabendo que, num outro campo, ela é uma queloide em proporções anacôndicas.

Me deu uma crise claustrofóbica naquele quarto branco e banquei a Fernanda. Saí porta a fora de avental dizendo: “Não vou parir agora. Só vou parir quando entrar em trabalho de parto.” Meu pai e sua família me olhavam assustados “Mas como?!” Aquela pressão bem similar à que vivi quando Bento passou da 41ª, 42ª semana. Nota do autor: na vida real, eu entrei em trabalho de parto e fiquei umas 27 horas nele. E praqueles que acham que trabalho de parto é coisa de novela, em que a mulher sofre que nem doida do início ao fim, lamento informar, é bem diferente. As contrações são brandas no início.

Tenho que falar com a Diana! – pensei alto. Falava da Diana Schneider, doula, enfermeira obstétrica, professora de ioga para gestantes e moderadora de um grupo do facebook que participo. É a terceira vez que ela aparece nos meus sonhos. Sendo que só a vi pessoalmente duas vezes. Tenho várias amigas que tiveram filho com ela e aí escapole meu terceiro arrependimento: não ter tido uma doula. Sabe como é, parto respeitoso no Brasil sai caro e uma doula significava mais gasto. A Diana sempre aparece nessa representação. No primeiro sonho, participávamos de um parto, não sei se meu, numa fazenda e carregávamos o bebê no meio de um pasto lindo. No segundo, sem saber, a chamava de “Dida” seu apelido de infância. Teoria da reencarnação? Só sei que de um segundo filho ela não me escapa.

Saía que nem doida atrás da Diana. Meu pai olhava bem nos meus olhos dizendo que daquela forma eu não deveria contar com a sua ajuda. Eu respondia: já contava com isso, vá em frente.

Segui para outro lugar onde comecei a sentir as pontadas e o piriri característico do início de um trabalho de parto.

Acordei e demorei alguns segundos até respirar aliviada.

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