Penso que se tudo der errado, viro cantora de música infantil.
No início, meu repertório era super limitado. Quando me via, estava cantando o hino do botafogo, vasco e flamengo. Ou lembrava de uma única frase de alguma música infantil e a repetia até exaustão. Psíquica. Por mais que você pense que é só repetir aquela frase 200 milhões vezes que o bebê dorme, é foda. Chega uma hora que seu cérebro rejeita e sua glote fecha.
Semana re re re lá vai fumaça, eu estava super insone, cansada e com uma TPM dos demônios. Sim, ela voltou. Depois de um longo inverno, ela voltou a me torturar uns dias antes de menstruar. Entrei em colapso – hum, novidade – e fui pra casa da minha mãe para evitar uma tragédia. Alguém ia morrer, eu juro. Ou eu, ou Bento, ou minhas cachorras, ou meu gato, ou o padeiro da esquina. Bento estava passando por um período de crise e qualquer ida minha ao banheiro – de porta aberta, luz acessa e gritos de “mamãe está aqui” – ele vinha engatinhando chorando muito. Aí, arrumei as nossas mochilas com ele pendurado nas minhas calças, o coloquei contrariado no carro e saí.
Ele chorava, e pra melhorar, o trânsito estava completamente parado. Torço pra chegar o dia em que Bento entenderá que não somos um trator para passar por cima dos outros carros. Bem que eu queria. Sei que ele gosta de movimento, mas enfim, existem sinais né? Existe gente murrinha. Existe gente que passa a 20 no radar de 50km/h. Não entendo, mas existe. Existe trânsito que surge do além e você se pergunta porque mesmo passou 30 minutos em 500 metros. Ele entenderá um dia. Até lá, meu Deus, não me dê só paciência, me dê repertório.
Tudo parado. E eu, muito, muito, por demais da conta estressada, comecei a cantar. Roca já. Olhos cheios d’água de cansaço. Puta da vida de estar cantado. “Filho, não dá para ficarmos calados?” Sabe aquela música sem alma? Cantor bunfando, revirando olho de testa franzida? Era eu. “Sérgio Malandro, por favor, apareça!”
Ele começou a gritar alto e eu comecei a gritar também!
– Ohnnnnnnnnnnn… Respira fundo, Fernanda. Ohnnnnnnn… Ohnnnnnnnnn…
Funcionou? Não. Comecei a desfazer meu rosto -caraca, não tenho nem o direito de ficar puta?! Fiz voz doce e me empenhei em virar uma cantora lírica infantil. Eis que do caos, surge minha inspiração.
Com vocês, a música da formiguinha adaptation version tabajara:
Fui no mercado comprar café e a formiguinha subiu no meu pé, eu sacudi, sacudi, sacudi, mas a formiguinha não parava de subir
Fui no mercado comprar um queijo e a formiguinha subiu no meu joelho, eu sacudi, sacudi, sacudi, mas a formiguinha não parava de subir. (Partes por partes, sem problema se não rimar 100%)
Fui no mercado comprar batata roxa e a formiguinha subiu na minha coxa, eu sacudi, sacudi, sacudi, mas a formiguinha não parava de subir.
Fui no mercado comprar arnica e a formiguinha subiu na minha barriga, eu sacudi, sacudi, sacudi, mas a formiguinha não parava de subir. (Claro, todo mundo vai ao mercado comprar arnica)
Fui no mercado comprar um osso e a formiguinha subiu no meu pescoço, eu sacudi, sacudi, sacudi, mas a formiguinha não parava de subir. (Vamos aumentando a música… é isso aí!)
Fui no mercado comprar uma roupa e a formiguinha subiu na minha boca, eu sacudi, sacudi, sacudi, mas a formiguinha não parava de subir.
Fui no mercado comprar um giz e a formiguinha subiu no meu nariz, eu sacudi, sacudi, sacudi, mas a formiguinha não parava de subir.
Fui no mercado comprar um molho e a formiguinha subiu no meu olho, eu sacudi, sacudi, sacudi, mas a formiguinha não parava de subir. (essa foi de mestre)
Repete 5X
Silêncio.
Bento dormiu.
Ri de mim mesma e continuei dirigindo.
Vou registrar a música na Biblioteca Nacional para que não roubem-na. Essa ficou realmente incrível.
Tem também a da Dona Aranha Cremosa. Tem a do Cremoso Cremosin. Tem música pra engarrafamento do Rio a São Paulo. Tem música pra disco.
Não morro de fome. Nem Bento.
beijos
da cantora que corre com os lobos, mas no trânsito do Rio faz marcha atlética.