Direito a réplica: #SomosTodxsAdelir

Semana passada fiz dois posts, um sobre a pesquisa maluca do IPEA e a outra sobre o caso Torres (Adelir Carmen de Góes sofreu uma violência obstétrica gravíssima bem debaixo do nosso nariz). Tomada pela vontade de mostrar para minhas leitoras a importância de nos esclarecermos sobre os assuntos anteriores, tentei debater pontos e mais pontos na página do blog no facebook.

Médicas, advogadas, ativistas, gente esclarecida a sobre o assunto, gente leiga, gente radical, gente mais ponderada. Discussões sadias e bacanas. Aquela tentativa heroica de nadar contra a maré,e mais que isso, de tentar fazer com que mais gente nade contra a maré comigo.

Uma leitora num desses posts sugeriu que eu estava amarga, pois só estava falando de assuntos sérios e que era bem mais divertido ouvir sobre as travessuras do Bento. Faz parte. Pão e circo. A galera quer se divertir e eu gosto de divertir os outros. No entanto, não me sinto à vontade de fazer piada num momento importantíssimo para o ativismo feminino. Não tenho graça diante de tamanha indignação. Não me conforta ver a enxurrada de comentários ignorantes e cegos sobre o assunto.

Sempre soube que o divisor de águas desse blog aqui é o FEMINISMO.

Quer só fofura? Vá assistir cartoon network e finja que isso tudo não é com você. Mas vou contar um segredo: Isso é com você.

Adelir deu um azar e, talvez pra nós, uma sorte. Adelir teve os seus direitos humanos violados ao ser interceptada por policiais durante o seu trabalho de parto. Foi arrancada de casa sob a ameaça de prenderem o seu marido. Foi impedida de ir para o hospital de sua preferência. Mesmo chegando com 9cm de dilatação, foi forçada a fazer uma cesariana. Mesmo com lei federal, não teve direito a acompanhante. O motivo? Já havia feito duas cesárias, havia risco de ruptura uterina (???) e, segundo a médica, o bebê estava sentado – apesar de não ter apresentado a ultra para Adelir. O segundo e principal motivo? Ignorância, maldade e outras coisas mais.

“Ah, mas ela foi irresponsável, né, tinha risco para o bebê, vai que ela era maluca!”

Penso, que mãe arriscaria a vida do próprio filho e a dela mesma?

“Após cesarianas, há risco de ruptura uterina!”

Menor que 1%, meus caros. Os riscos de morte com uma cesariana são bem maiores. Só não são divulgados porque a indústria não quer que você tenha parto normal.

“Ah, mas o bebê estava sentado!”

Bebês nascem sentados por parto normal, você sabia? A questão é: esse médico medroso e açougueiro sabe fazer parto normal de bebê sentado? Segue uma declaração da médica ativista Ana Cristina Duarte:

“Quer saber o que eu acho? Acho que com essa médica o bebê da Adelir estava em alto risco de morrer sim. Médicos que não sabem fazer parto pélvico (que são a mai…oria dos obstetras hoje em dia), podem facilmente matar um bebê na hora do nascimento. Acho que um parto pélvico desassistido é menos perigoso do que com um médico mal formado, mal treinado e apavorado. Eu apenas lamento que a médica não tenha sido clara e honesta. Do alto de sua empáfia hipocrática, só soube dizer que ela “não podia de jeito nenhum” ter um parto normal. Se fosse honesta e dissesse que não sabia fazer parto pélvico e que possivelmente ia matar a filha dela durante o procedimento, acho que a história teria sido outra.”

“A juíza não tinha como saber se a médica estava certa ou não.”

Talvez não entenda de medicina, mas acredito que entenda de direitos humanos. Acho interessante essa intervenção diante da possibilidade de um parto normal. Adoraria ver a mesma atitude diante de um parto agendado com 38 semanas com a desculpa de que o bebê já está pronto. Se aqui falamos de defender o nascituro, vamos defender a hora que ele escolhe nascer, por que não? Vamos defender que ele tenha a sua maturação necessária dentro útero e que nenhuma mulher/médico ache que um bebê de 41 semanas é pós termo. Vamos defender que os riscos de uma cesariana agendada para o seu filho nascer sob o melhor signo seja impedida. Vamos defender que o médico não te cobre extra para estar disponível para o seu parto normal. Vamos defender que não encham as mulheres de ocitocina sintética para acelerar o trabalho de parto, pois não estão afim de esperar. Vamos defender que as mulheres tenham sinceridade e ética do seu obstetra. Vamos defender o embasamento científico. Cadê juízes e médicos pra isso?

Isso é com você.

O caso Adelir está tomando proporções internacionais. Eles entenderam o quão grave foi a atitude da juíza e da médica.

“A  ARTEMIS – ACELERADORA SOCIAL PELA AUTONOMIA FEMININA informa que a denúncia referente ao caso de Adelir Carmen Lemos de Góes, retirada de sua casa na madrugada do dia 01/04/2014, em trabalho de parto, por policiais armados, e obrigada a fazer uma cirurgia cesariana sem seu consentimento já se encontra junto à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Presidência da República, que já providenciou o devido encaminhamento para providências.”

Trecho retirado do Blog Cientista que Virou Mãe mostra que a denúncia formal sobre o caso Adelir à nossa presidência. No post você pode ver a denúncia formal, assim como uma nota sobre o resultado da ultra de Adelir que mostrava que ela estava com 40 semanas de gestação e não 42 como havia sido divulgado e tomado como desculpa para a violação do seu direito de parir como escolheu.

Qual é a nossa sorte- macabra – nisso tudo? A de ter uma grave violência obstétrica além das paredes do hospital. Uma violência obstétrica cheia de provas jogada aos 7 ventos. Pra gente pegar e esfregar na cara dessa gente que acha que humanização do parto é frescura, moda. A humanização do parto existe por um simples motivo: Não querem deixar a gente parir como queremos. Não querem esperar nosso momento. Não querem respeitar nosso momento. Não querem nos dar escolha. É só isso. Nada mais.

Até queria ser só engraçada. Mas não posso me calar diante de um caso como o da Adelir. Ela é uma pessoa única, mas não é um fato isolado. Penso quantas mulheres por aí sofrem violência obstétrica entre quatro paredes? Quantas mulheres tiveram o seu parto roubado? Quantas mulheres tiveram o seu parto roubado e nem sabem?

Somos todas Adelir.

 

Aproveito para divulgar a convocatória para feita pelo site #SomosTodxsAdelir :

“Por essas razões, convocamos todas as pessoas, grupos e movimentos que se importam com essas temáticas a comparecerem ao Ato Nacional “Somos Todxs Adelir – Ato Contra a Violência Obstétrica”, a ser realizado no dia 11/04/2014, às 13 horas, em diversas cidades brasileiras.”

Mais informações sobre a manifestação em sua cidade e sobre o caso no próprio site.

#SomosTodxsAdelir

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