21 de abril de 2013

Algo me aconteceu durante a gravidez. Tá, se você me conhece e já achava isso antes, não me fale, não quero saber. Já imagino a Nat, sincera e analítica, me olhando de banda, rindo e fazendo “sim” com a cabeça.

Fui percebendo que a coisa estava se agravando semanas antes do Bento nascer. Pensa numa gorila prenha prestes a explodir enjaulada. Gorila, eu, jaula, minha casa.

E nos primeiros meses do bebê? Eu estava uma bomba relógio com o gravador no repeat avisando que ia ser detonada. Não, eu não estava irritada. Pelo menos não mais que o normal. Só tinha vontade de chutar mães que me diziam que seus bebês não choravam e dormiam a noite toda, mas isso não me alarmava.

Reparei que aquele estado ansioso pré-parto me fazia falar pelos cotovelos,  os meus e os das outras pessoas. Sabe como cheguei a essa conclusão? Vendo que meus diálogos estavam se tornando monólogos e nem artista eu era pra isso. Eu não estava (talvez ainda não esteja) deixando as pessoas falarem. Uma impaciência cavalar  pra dar tempo a outra pessoa raciocinar e responder. Eu pergunto, faço uma leitura corporal. Eu mesma respondo. Não preciso respirar. Uso minha habilidade apneica pra isso. Corto a pessoa no meio da frase dela. Sabe quando vem na prova “Complete a frase” ? Sou eu. Como num jogo de adivinhação, fico tentando várias respostas possíveis ao invés de deixar o sujeito falar. O interlocutor só me observa (com espanto) com a boca entreaberta como se quisesse emitir algum som, mas eu poupo ele desse esforço. Às vezes, engato a primeira e vou até a sexta marcha sem respirar. Quando percebo o quão louca estou, olho com uma cara envergonhada, obviamente depois de falar e responder tudo o que queria, e digo “Falo muito, né?”

Depois que tomei consciência do meu estado verborrágico, mudei. Um pouco. Inicio a conversa e fico respirando. “Deixa ele falar, deixa ele falar…” Sem brincadeira, parece que passa 1 século até a pessoa terminar de expor seu raciocínio. Muitas vezes, eu já entendi na metade e, em milhões delas, sinto urgência de ir para um próximo assunto. Tipo um mecanismo “time is money” do meu cérebro.

E quando a pessoa é zen? Caracoles! Eu queria ser zen, mas gente zen me irrita. Parece que fica esfregando na minha cara o quanto sou acelerada. É como se eu ouvisse “Tsc tsc tsc… Você é muito alterada…” Detesto gente zen, porque gente zen fala devagar e eu não tenho tempo!

O que está acontecendo comigo? Dormi grávida e amanheci o Usain Bolt das palavras. Admiro o cara, mas o único prêmio que ganharei por falar na velocidade da luz é o de chata.

Foi nesse processo de reconhecimento da minha mais nova (diga que é nova, por favor!) loucura que lembrei de vovó.

Vovó Rita falava pelos cotovelos, joelhos e quadris. Eu morei com ela uns 10 anos. Lembro que ainda adolescente, rebelde e autista (as always), eu entrava no meu quarto e fechava a porta para ver meus programas em silêncio – pelo menos não assistia os programas conversando com eles, o que já é um bom sinal.

Eu era mais anti-social que hoje. Não me sentia mal porque me classificava como bicho do mato, uma categoria tímida, nada pernicioso. Por exemplo, detestava me despedir de todo mundo ao sair de uma festa. Saia à francesa, algumas vezes com o consentimento do meu  pai. Chegava antes de todo mundo para não ter que cumprimentar galeras. Até pouco tempo me considerava tímida. Me dizem que não sou. Tá bom, com álcool não vale.

Louco mundo de Fernanda, eu sei. Mas eu não ia falar disso. Só estou ilustrando o mundo paralelo que eu vivia para introduzir o assunto. Sentia-me confortável nele. Morar com a minha avó era ter os limites desse território constantemente ameaçados.

Estava lá eu, com as portas (território) fechadas. Ela batia na porta e abria antes d’eu responder.

– Nandinha, vovó pode trocar meia dúzia de palavrinhas com você?- fazia cara de coitada.

Diz-se “meia dúzia de palavrinhas”, lê-se “meia dúzia de milhares de palavrinhas”. Palavrinhas chatas, eu pensaria.

“O que fiz dessa vez? Deixei copo sujo na pia? Não comi a melancia e ela estragou? Não tenho sido carinhosa? Não tenho sido paciente?”

Vovó, com seu meio metro, bobs nos cabelos, óculos de grau e sandálias de saltinho com os dedos escorregados abraçando a frente da mesma, paradinha na minha porta. Hoje penso “fofa”, na época, eu pensava “Lá vem…”

-Vó, podemos conversar depois? Tô vendo uma parada importante aqui.

Ela me ignorava e invadia meu território, quarto, com a sua tropa, palavras. Eu ficava muda, era atropelada por elas. Se tentasse retrucar, PiPiPi! Ela aumentava o volume.

Contando aqui acho graça. Eu não tinha paciência para ouvi-la. Ela não tinha paciência para me ouvir. Nossa comunicação era caótica. Ela perguntava, ela respondia, eu me irritava.

-O mundo é dos mansos.- ela tentava me convencer a ser menos arredia.

-Não quero o mundo pra mim! Fica com ele, toma!

Vovó morreu e, romanticamente, sinto falta da sua sopa de letrinhas.

Não sei se praga, costume ou genética, mas ando (prefiro achar que só ando) verborrágica. Tanto, tanto, que só de pensar em ser paciente fico impaciente. Fica na minha cabeça “já sei, já sei tudo que você vai falar…”

Encosto, será?

-Vovó, a senhora está aqui? Apareça! – penso que ela tem falado através de mim. Será que daqui a pouco estarei falando que os espermatozóides são bichos espertos, que na europa não se desperdiça comida ou contando mazelas dos familiares ao telefone?

-Vovó, querida, retorne aos céus. Batalhaste muito por esse lugar junto a Deus, não cabe agora assombrar sua neta.

Terapia? Descarrego? Passe? Morrer e nascer numa família tibetana? Não sei qual será a solução pra calar minha boca… Porém, uma coisa boa essa loucura me proporcionou, corri para um lugar onde meus pensamentos são livres e minhas palavras ilimitadas: a escrita. Minha gravidez me trouxe de volta para um espaço que eu tinha abandonado. Um espaço que fui levada a crer que não era bem quista, que minhas sementes não vingariam. Incrível como foi exatamente meu estado semente que me fez acreditar que as sementes da minha escrita, palavras, em conjunto com o que sou hoje, mulher, podem me gerar frutos tão ricos e bonitos quanto Bento na minha vida.

“Eu voltei agora pra ficar… Porque aqui, aqui é meu lugar… Eu voltei pras coisas que eu deixei, eu volteeeiii…”

 

 

 

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