27 de fevereiro de 2014

Eu rio. Melhor, eu rio muito. Não, não, eu gargalho. Gargalho alto. Mais que isso, gargalho alto me jogando no chão e batendo as perninhas no ar. Não, não! Eu gargalho alto me jogando no chão, batendo as perninhas no ar e mijo nas calças quando uma mãe acredita que vai conseguir trabalhar sozinha com um bebê.

 

É sério, mães pensam nisso- eu pensei e ainda me pego pensando, assumo. Principalmente, naquele tempo ridículo que temos de licença para ficar com o nosso bebê. “Humm, 6 meses tá ótimo, quando voltar a trabalhar ele já vai estar bem independente e eu estarei psicologicamente pronta para abandonar a cria.” Só que não. Tudo bem, escuto algumas mulheres que ficaram satisfeitíssimas de voltar a trabalhar e super bem com a creche. Não foi o meu caso.

 

Sem querer ser repetitiva, eu não pari um bebê simples com aquele chorinho que mais parece um miado de gato. Eu pari o Pavaroti em fúria. Puto de ter saído da minha barriga. Tenho certeza que se dessem mais umas semaninhas ele ficava. Quem ia se matar era eu. Ou simplesmente ia pocar (pocar = explodir).

 

Lembro da primeira paciente que atendi com Bento nascido. Eu não ouvia a voz dela. Estava cagando para as suas mazelas. Dava respostas automáticas. No andar de cima, meu tenor dava aquele show. Meu coração se encolhia. E eu me perguntava “É pra ser assim mesmo?” Hoje, me respondo “Não. Porém, meu medo de perder meus clientes, meu medo de ficar sem dinheiro, meu medo de estar sendo “fresca”…”

 

Era um suspense ficar imaginando como Bento ia se comportar quando o paciente chegasse. Se penduraria no meu peito e dormiria? Se penduraria no meu peito e ali ficaria por 1 hora? Se esgoelaria? Ficaria tranquilo? Era um suspense. Era uma tortura. E eu pensava ” E se eu largar essa porra toda?”

 

Tinha medo dessa imprevisibilidade. Carrinho, cadeirinha, música, sling, canguru, baby Beethoven. O que me salvaria? Isso. Eu era rendida por um bebê. Um bebezinho de 3 meses. Eu tinha pânico de atender com Bento, meu doce torturador.

 

Ainda que o drama maior fosse meu, avisava aos pacientes que teríamos companhia. Eles diziam na base da ingenuidade “Ah, não tem problema nenhum o Bento estar com você! Vou adorar!” Quero ver adorar uma acupuntura com o Pavarotti desafinado ao fundo. Quero ver adorar uma acupuntura com o Pavarotti desafinado ao fundo tendo como terapeuta a macaca Xita de vestido preto estampado de golfadas.

 

Quero ver adorar tudo isso como eu.

 

O paciente vinha se tratar e me maltratar ao mesmo tempo. Nada mais odioso e desagradável do que o choro do nosso próprio filho. Algumas horas, me questionava se estava exagerando. Outras horas tinha plena certeza que estava num manicômio por falta de opção.

 

Isso porque não entrei no hall dos conselhos. Claro, conselhos, sempre eles. Os clientes queriam ajudar o Pavarotti, nada mais natural. Se um bebê se esgoela, tem algo de muito errado que essa mãe está fazendo. Ou não está fazendo. Essa era a parte em que eu virava a macaca Xita de vestido preto estampado de golfadas metida a inteligente. Tinha minhas justificativas para não silenciar meu filho.

 

-Dá chupeta. Dá mel. Bota um DVD. Dá um complemento. Dá um remedinho. Camomila? Dá um mingau.

-Dá pra você calar a boca? Quero ouvir meu filho chorar em silêncio.

Sei que não eram por mal – os conselhos – só que não ajudavam muito.

 

Passou. Em parte. Não tem mais aquele choro enigmático de cólica-fome-sono-tédio. Mas com criança nada se perde, tudo se transforma. Temos um bebê que corre, fala em códigos e isola coisas.

 

Nem tudo é penoso. Sejamos honestos. Tenho algumas clientes baby friendly. Umas fofas. Agradeço de coração toda a paciência e amorosidade.

 

Dona Eunice e Ana Maria. Mãe e filha. Dona Eunice conta que só casou para ter filhos, adora crianças. Vem duas vezes na semana fazer exercícios comigo. Antes, eu sabia que era por conta dos exercícios. Atualmente, desconfio que vem mais pelas graças do Bento. O que não deixa de ser um tratamento. Afeto também cura. Ana Maria fica na recepção, está estudando pedagogia e parece que Bento sabe. Enquanto Dona Eunice chega alegre e dando gargalhadas para ele, Ana fica mais na dela e, feito gato que gosta de tomar a iniciativa, Bento se aproxima. Leva um brinquedo atrás do outro. As duas merecem um beijo enorme, uma gratidão eterna. Quantas sessões com Bento no peito, ou reclamando, ou jogando fruta pelo chão do consultório? Quantas sessões com a minha cara amarrotada, cabelo desgrenhado, roupa esfarrapada? Um beijo. Um beijo muito grande nelas.

 

Nem tudo está perdido, minha gente.

 

Tiveram outros como elas. Gente bacana que via minha agonia e tentava me tranquilizar. Gente que tentava acalmar Bento, o indomável, e às vezes conseguia! Depois, eu oferecia casa, comida e roupa lavada rs. Não aceitavam, mas valia a tentativa.

 

Dá pra trabalhar com filho? Hummm…

 

No momento, fora Dona Eunice, tenho a Dona Margarida. Outra senhora fofa, carinhosa que dá vontade de apertar. Baby friendly. No caso dela, o problema  não era ela ser baby friendly, era Bento ser friendly com as coisas da casa dela. Com uma lesão crônica e que dificulta seu deslocamento, atendo Dona Margarida em domicílio. Sabe aquelas velhinhas que tem uma mesa de centro, duas mesas de canto, um rack e um carrinho de chá che-i-osss de badulaques coloridos de porcelana e de vidro? Pois é. Sempre procuro ir nos horários que tenho ajuda em casa, mas nem sempre consigo. No primeiro dia que levei Bento, avisei: “Vou eu e tornado…”

Disse em tom de brincadeira, mas já suava frio.

 

Quando entramos na casa, de cara ele viu a quantidade de coisas coloridas no alcance de suas mãos, saiu em disparada. Pegava cinzeiros bonitos – e imagino que caros – e colocava no chão para rodar. Essa mania que Bento tem de rodar as coisas. Acho que se eu fosse menor, certamente tentaria me rodar.  Até tinham algumas coisas de madeira, óbvio que não interessavam. Porcelanas! Dona Margarida pinta (lindamente) porcelanas. Bento e aquele gosto pelo perigo!

 

Como fazer acupuntura assim?! Eu colocava uma agulha e corria para salvar uma porcelana.. Para salvar meu bolso. Para salvar minha vergonha na cara. Sorrindo, claro. Disfarçando meu nervosismo. Outra agulha e mais uma corrida. Contando os minutos no relógio.

 

Mas com criança é assim. Nada se perde, tudo se transforma.

 

Primeiro, as porcelanas, depois, os botões do rádio e do dvd. Depois, o controle remoto. Depois, os cinzeiros0. Depois, os alfinetes de costura. Depois, os cristais de família no carrinho de chá. Até que chateado de tantas recusas, começou a chorar. E eu?! E eu, meu Jesus?! Já tava até marrom o sorriso de tão amarelo!

 

Tirei minha última carta da manga: uma banana. Consegui os 5 minutos finais da sessão.

Saí de lá como se tivesse tomado uma surra de Ali Babá e seus 40 ladrões.

 

Dá pra trabalhar com um bebê? Que dá, dá. (não, pelo amor de God, não!!!) Só não sabemos ainda, a longo prazo, o efeito disso nos “neuvo”.

 

E por que continuo insistindo? Porque gosto da adrenalina, provavelmente. Porque sou masoquista de carteirinha. Porque acredito em Papai Noel e coelhinho da Páscoa. Porque sou doida. Ponto final. Fim de discussão.

Porque sou mãe ganso e da maternidade não quero abrir mão.

 

Ainda assim rio quando escuto este tipo de aspiração.

 

No fundo tenho admiração. Essa mulherada corajosa se tornando empreendedora para lutar contra um sistema que não nos dá um meio termo como opção.

 

Entre ser mãe e ser profissional, eu fico com os dois…

 

ainda que na base do calmante! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

 

 

Na foto, Bento curtindo os aparelhos de pilates 🙂

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