“O Pacote Pesado”

Num churrasco com amigos, abrimos o debate sobre minorias. No meio de uma roda de uns 15, apenas um negro. Tudo bem que o álcool fazia as coisas ficarem mais inflamadas. Falávamos da questão de cotas raciais e do preconceito ainda existente. Mal sabiam eles. Mal sabia eu quando comprei essa briga. Eu também sou uma minoria. Ele me jurou que não sentia preconceito. Perguntei quantos negros existiam no setor que ele trabalha: só ele. Não existe preconceito? O tom de voz da galera já estava alto, até que falei: EU SOFRO PRECONCEITO. Nervoso e com pouco conhecimento de causa, ele gritou batendo nas pernas:

– VOCÊ SOFRE PRECONCEITO?! DE QUÊ VOCÊ SOFRE PRECONCEITO?! ME DIZ!

Acho que todos os seus ancestrais negros estavam ali berrando com ele. O que uma garota jovem, branca, hétero, moradora da zona sul sofreria de preconceito? Minha cabeça fervia e quando ela ferve…

– Quer saber qual é o preconceito que eu sofro? (…)

 

Muda a cena.

 

Conversava com um amigo no whatsapp. Amigão. Um cara que tenho um enorme carinho e que já tivemos um lance passageiro no passado. Com frequência nos ajudamos, coisa de amigo mesmo. Falávamos de algo nesse tom por mensagens. Mandei uma foto do Bento, ele ainda não o conhecia. Recebeu a foto e calou-se. Nenhum comentário. Nem “que fofo”. Beleza. Deixei passar. Até que ele tocou no assunto paquera, relacionamentos. Contei que estava há quase 2 anos e meio sem transar. Primeiro, por conta da gravidez, depois do nascimento e da falta de tempo que vem junto. Ele fez um comentário. E é aí que respondo a pergunta do meu primeiro amigo.

“Também, né… difícil quem queira com esse pacote todo.”

Olha, tem quem queira. Quem não quis até agora fui eu. Meu filho é lindo – mais uma vez tô eu aqui batendo palma pra maluco. Luto muito para cria-lo, me orgulho disso. Quem tá em alta depois da maternidade sou eu! Bento me agrega valor e não subtrai como o comentário sugere.

Vários homens – vejo isso desde a minha gravidez – sentem a maior atração e admiração por mães. É claro que ainda existem muitos como esse meu amigo, mas nem posso dizer se são maioria ou não. Já vi algumas postagens masculinas muito escrotas falando sobre mãe solteira. Uma maluquice! Pois todas que conheço, matam no peito a história toda sozinha, encaram diversas dificuldades e mudanças nos planos de vida e ainda ficam como a biscate da parada. Inclusive, já ouvi de homem que a maior parte da CULPA da gravidez é da mulher porque ela tem a opção da pílula e da camisinha e o homem só da camisinha. Pasmem. Foi um psiquiatra que disse isso para o seu cliente. Um psiquiatra machista nível máximo, por sinal.

Certa vez, entrei numa briga num grupo de mães solteiras ao qual fui convidada. O problema? A macacada só olha o rabo das outras. Falavam das mulheres que davam golpe da barriga! Isso mesmo! Num grupo de trocentas mães solteiras que choravam e se lamuriavam com a barra de cuidar sozinhas de filhos com visitinhas do pai, pensões toscas (a nossa ilustre justiça determina a pensão baseada no que o pai PODE dar e você que se foda) e humilhações da própria família (quem pariu Mateus que o embale – essa já ouvi da minha família), as mesmas oprimidas se mostravam ferozes opressoras e especulavam sobre o caráter de outras! Outras como elas! Piada não? Macaco, olha pro seu rabo! O mesmo dedo que vocês apontam para as outras, apontam pra você! O machismo não seria tão dominante se não tivéssemos machistas entre nós. Machistas que cospem pra cima e ficam lambuzadas no seu próprio catarro.

Onde estão essas mulheres com o poder da perereca para enredarem os pobres e imbecis homens? Não conheço elas. Não conheço nenhuma delas. Mães solteiras conheço aos montes. Até quando a mulher ficará com essa imagem de chefe de quadrilha de barriga de aluguel? Não conheço uma que tenha colocado uma arma na cabeça do cara e gritado “Tira a camisinha do pau e goza dentro, desgraçado!” Ah, mas o homem pensa com a cabeça de baixo, já a mulher… Ah, a mulher é mais engenhosa.

Pára, neh?

Mulherada, vamos acordar! Não dêem força para esse pensamento preconceituoso e opressor sobre nós mesmas. Não é à toa que a legislação referente à pensão é extremamente injusta em relação a nós. Não é à toa que para reconhecimento de paternidade, ficamos anos na justiça. O pai tem como fugir anos a fio de um teste de DNA só driblando a justiça. Não é à toa que não recebemos nenhum suporte financeiro durante a gravidez solo e que não existe retroativo. Não é à toa que não temos creches públicas de boa qualidade e uma licença à maternidade digna. Não é à toa que não só não temos uma licença à maternidade digna, como não temos um espaço no nosso meio profissional para que possamos amamentar exclusivamente até os 6 meses ou uma flexibilidade maior por um período. Teve filho? Fudeu! Tá fora! Resolveu cuidar do filho e depois voltar ao mercado de trabalho? Fudeu! Tá fora! Não serve! O que ganhamos criticando as outras? Ganhamos menos espaço e mais preconceito. É isso que ganhamos. Ganhamos uma vida com cada vez menos lugar para o FEMININO. Nesse ponto falo de mulheres em geral!

Que preconceito eu sofro? O preconceito de ter assumido a maternidade sozinha. Só. Parece bobo, mas não é. É um “pacote todo”, como disse meu amigo. E é pesado, um pacote pesado. Isso porque não entrei na questão o parto no Brasil, onde é arrancado o direito de parir como se quer. Isso é papo pra palestra!

Mas o que faz esse pacote ser tão pesado? O peso do preconceito dos outros. E não digo “os outros” como algo distante. Amigos, familiares, conhecidos, desconhecidos, profissionais da saúde. Mãe solteira tem aquele cheiro de dedo podre que eu insisto em borrifar perfume francês.

Pesado pra mim não é o Bento. Pesado pra mim é o preconceito. Só ele. Não mais que ele.

 

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Não frequento a igreja católica há anos, mas nunca vi uma colocação tão lúcida quanto essa do Papa Francisco. Que sirva não só para a igreja, mas para o mundo. Essa declaração tão simples me emocionou de verdade.

 

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