7 de abril de 2013

(foto 1998)

Não é segredo, nem novidade pra ninguém que me conhece, o Botafogo de Remo sempre foi minha casa.

Eu mudei de apartamento umas 5 vezes ao longo desses 16 anos, mas nunca mudei de casa. Remei noutro clube, mas nunca mudei de casa. O Botafogo e a Lagoa sempre foram minha casa. Irineu, barqueiro, vendedor de côco, amigo, pai, avô, sempre foi a maior referência do que era “a minha casa”. Posso arriscar dizer que moramos juntos por muitos anos. Outros, apaixonados como eu, arriscarão dizer o mesmo.

Esquisito é imaginar entrar no clube, ou mesmo passar na ciclovia, ou mesmo passar pela Epitácio Pessoa, sabendo que ele não está mais ali fisicamente. “Irineeeuuu!”- a gente berrava toda vez que passava. Se ele reconhecesse respondia “Oi, Fênandinha!”, se não “Oi, gata!”. Se tivesse dúvida se era homem ou mulher levantava o braço e dava “oi”. Ele era uma celebridade e sabia disso. Aprendi que nem sempre as pessoas mais famosas e de maior valor enriquecem financeiramente. De vez em quando, me mostrava seu álbum com todas as reportagens que já saíram com ele. “Eu sou famoso, Fênandinha!” Eu sei, Irineu. Desconheço alguém que não goste do Irineu. Era impossível. Mesmo nos últimos anos, que andava rabugento como nunca, era impossível não amá-lo. Em 2011, dizia com frequência que ia embora. Eu respondia, que não somos nada sem ele, o clube não existe. “Vai embora não, Irineu! O que vai ser da gente?”

Ontem, quando chegou a notícia do seu falecimento, meu mundo parou e chorei feito criança. Passou um filme na minha cabeça. Fiquei me questionando por que eu chorava tanto? O que ele significava pra mim? Fiquei confusa. Entre o sentimento de “descanse em paz” e o de “não nos deixe”, fiquei com metade dos dois.

Pela manhã tivemos reunião, todo mundo uniformizado. Ele tinha voltado há 5 dias depois de 7 meses longe do clube. Voltou limpando a garagem, botando todo mundo para trabalhar, organizando o “complexo” (dormitório dos atletas), acabando com o congestionamento de barcos na rampa. Ele estava radiante. Eu estava muito, mas muito feliz de tê-lo de volta. Só quem rema ali e já ficou sem ele sabe a diferença que faz. Parece que aquilo não tem a mesma cor. Tiramos foto da equipe. Ele estava presente. Cantamos “Ooooo O Irineu voltoooou! O Irineu voltooouuu!” Se isso era uma despedida, Irineu morreu feliz.

-Vamos pegar o barco, Fênandinha?

– Bora, Iri!

Ele já não se abaixava mais tão bem, esticava seu corpo para colocar o barco n’água sem dobrar o joelho. Eu sentia ternura pelo seu esforço. Desde de 2011, que voltei a remar, tinha a sensação que agora ele estava ficando velho de verdade, tinha que descansar, mas não via a possibilidade de perde-lo.

Voltei a remar por causa dele. Numa das minhas corridas na Lagoa, parei lá pra tomar um côco e falei que sentia saudade. “Quer que eu fale com o Xoxô? Xoxô é meu parceiro, falo com ele.” No dia seguinte apareci lá e ele me levou no Xoxô. Voltei. “Pode dar até um cabo de vassoura pra Fênandinha que ela rema.” O véio sabia que eu era maluca.

Em 2004, o clube parecia ficar cada vez mais deserto pra mim. Meus amigos parando, mudando de clube, viajando e eu lá, às moscas. Resolvi ir pro vasco. Entrei no quarto do Irineu para me despedir. Era eu e ele chorando muito. Sentia que devia explicações a ele. Pressentia que seria inevitável sentir saudades da nossa convivência diária. Entende quando digo que ali é minha casa? Eu passava mais horas ali do que na minha, teoricamente, casa. A gente chegava ali às 6am e ia embora meio dia e voltava as 3pm, por exemplo.

Depois da reunião, remamos. Ele me ajudou a guardar o barco. Disse o quanto meu filho estava bonito, que era maior benção da minha vida e que seria maior que o pai. Lembro quando numa manha do final de 2011, regulávamos o barco com o Paulinho, jogando aquela conversa fora. A gente ria. Falou que eu engravidaria e seria mãe solteira. Eu respondi:

-Ih, Irineu… Só daqui a muito tempo!

-Vai demorar não, Fênandinha.

Um mês depois descobri que estava grávida.

-Fênandinha, vai ser um menino!

Bingo! O véio além de fazer previsão do tempo, era vidente nas horas vagas.

Ele me via correndo de barrigão, do alto da sua barraca de côco e torcia o nariz. Balançava a cabeça negativamente, me dava esporro.

-Fênandinha, para com isso… Correndo com essa barriga, minha filha!

-Calma, Irineu, tá tudo certo, ele vai ficar bem.- eu achava engraçado.

Eu poderia passar dias aqui escrevendo as coisas boas que tenho dele. Já chorei muito e sei que ainda vou chorar mais. Tô triste, triste. Aquele triste sem desespero porque sei que era a hora dele. Eu só não queria que pessoas como ele tivessem que partir.

Para guardar barcos, limpar garagens, regular barco, conseguirão, arrumar alguém para fazer no seu lugar. A dificuldade será encontrar alguém que faça isso tudo com o coração como ele fazia. O Rafa tinha razão, a grande alegria e desejo do Irineu não era ganhar na megasena, como ele sempre falava. O grande desejo do Irineu era ver aquele lugar funcionando e a gente ganhando. Ele queria ver o Botafogo campeão. Não só em grupo, individualmente também. Torcia por cada um de nós.

“Eu sou o pai da Lagoa!”

É sim, Iri…

Ontem, dia 6/04/2013, a Lagoa, nós atletas, treinadores, funcionários, garças e peixes, ficamos todos órfãos do nosso amado pai Irineu. Descanse em paz, meu amigo.

com amor,

Fernanda e Bento

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