Cenas: como se sente uma mulher

Essa semana, circulou um texto maravilhoso chamado “Como se sente uma mulher“.

O texto é um soco na boca do estômago. É triste ver o quanto somos produtos de anos de repressão e nem notamos. Quer dizer, eu noto cada vez mais. Quanto mais leio, me informo e observo, mais fica insuportável estar dentro do sistema.

Pensei em escrever um texto sobre, mas, no momento, tomada pelo texto acima seria uma cópia. Durante a leitura, vieram algumas cenas da minha vida e resolvi expô-las aqui.

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Cena 1

Uma kombi mexeu comigo e uma amiga, estávamos correndo. Mexeu = “gostosa, delícia e etc.” Eu, respondona como sou, mandei dedo, xinguei. Até que eles entraram no Caiçaras e nos fecharam. Nunca corri tanto.

 

Cena 2
Eu estava indo para praia pela lagoa, de bicicleta, um cara colocou a bike do meu lado e veio tentando puxar assunto, eu estava de short e ele falava coisas grosseiras que vocês podem imaginar. Como não dei papo, me ameaçou jogar na lagoa (eu estava numa parte que não tinha mureta). Suei frio, mas ele foi embora.

 

Cena 3

Voltando da praia, no mesmo dia da cena anterior, um cara estava olhando a lagoa enquanto eu me aproximava de bicicleta perto do Botafogo. Tinha uma pequena mureta que separava a ciclovia da pista de carros e uma árvore grande. Quando cheguei perto, ele se agachou encostado na árvore, arriou as calças e começou a se masturbar.

 

Cena 4
Estava numa festa e tinha um corredor de homens. Me senti feito um frango indo pro abate, como diz a autora, uma gazela andando por entre leões. Fui passar com uma mão na frente e outra atrás, protegendo minhas partes íntimas. Um cara segurou meu braço e eu, doida pra sair dali, disse q não podia falar com ele naquela hora. Ele me soltou e me deu um chute nas costas “piranha!”

Cena 5

Réveillon em Búzios, eu tinha 17 anos. Um moleque me pegou pelo pescoço, pois queria um beijo. Eu peguei no pescoço dele de volta com a força e a coragem que me sobrava e perguntei “É sério que você quer me beijar assim?” Tinha quase certeza que apanharia. Ele me xingou, disse que eu era abusada (eu ou ele?) e me largou.

 

Cena 6
No mesmo ano, estava eu e uma amiga na areia da praia de Geribá, estávamos indo de um ponto de festa a outro. Estava um pouco deserto e vinham uns cinco garotos com cara de que iam acabar com a gente. Tipo o lobo mau babando pela chapeuzinho vermelho só que em número maior. Minha amiga bolou um plano. Foi engraçado na hora, mas hoje meço o risco que corremos. Quando eles chegaram perto começamos a dar olé de futebol gritando e saímos correndo.

 

Cena 7

Eu costumava ir a uma boate perto de casa e como acabava cedo voltava andando. Estava eu e mais uma ou duas amigas. Avistei 2 guardas e pensei: “Ufa, dois guardas, estamos seguras.” Até que começaram mexer com a gente “gostosa, gracinha e etc.” Não me contive e gritei “Porra! Até vocês?! Puta que o pariu!” É claro que gritei e saí correndo.

 

Cena 8

Estava com uma amiga de bairro que era um pouco mais velha que eu passeando pelo Humaitá. Encontramos uns amigos dela e eu fiquei distante enquanto ela falava com eles. Chamaram-na para ver vídeo na casa de um deles dizendo que tinham várias meninas lá. Ela disse que estava comigo, mas eu podia ir também. Eu não quis. Quando ela chegou lá, não tinha menina alguma, os meninos estavam vendo filme pornô e um deles pegou a arma do pai e a obrigou a fazer sexo com todos. A maioria deles vizinhos de prédio dela. Os pais dela optaram por não denunciar para não constrange-la.

 

Cena 9

Fui buscar meu irmão de 5 anos na escola. Passando por um sujeito qualquer ele começou a me chamar de gostosa, bucetuda e etc. Na frente de uma criança! Não aguentei. “Porra, você não vai respeitar uma criança não! Vai se foder!” Minha mãe, na época, disse que o dia que eu chegasse em casa roxa, ela saberia porque. Me dizia para não responder, pois corria risco de ser agredida. Ela estava certa, porém é de tirar qualquer uma do sério!

 

Cena 10

Contada pela minha avó. Ela e uma amiga foram visitar uma outra amiga. O pai dela abriu a porta e mandou elas entrarem. Trancou a casa e começou a tentar passar a mão nelas. A amiga não estava lá. Ficaram fugindo do cara dentro da casa até que uma delas conseguisse destrancar a porta e fugir.

 

Cena 11

Meu vizinho fez uma festa com som alto até as 2am. Mandei mensagem e liguei para ele abaixar o som. Nenhuma resposta. Deixei meu filho de 8 meses sozinho em casa, ele tinha acordado por conta do som. Desci, toquei a campainha do cara e nada. Mandei uma mensagem dizendo que caso não abaixasse, eu chamaria a polícia. Ele me respondeu dizendo que eu poderia chamar quem eu quisesse e me fez uma série de ameaças. Disse que tinham drogas na minha casa, que minha estabilidade na vila onde moro acabou e que meu filho não tinha pai. No dia seguinte ainda me mandou ironicamente um “Feliz Páscoa”. Detalhe: o cara é dono de uma das maiores CRECHES do Rio de Janeiro. Minha pergunta é: se eu tivesse um marido seria diferente?

Cena 12

Um ex-namorado havia terminado comigo, mas continuava, vamos dizer, enrolado e ficou com uma outra menina do meu trabalho. Em seguida, fui a uma festa dançar. Sim, dançar. Poderia fazer outras coisas se quisesse. Apareceram fotos no orkut, na época. Ele não tinha orkut, mas alguém mostrou. Fotos minhas dançando, só. O ex-namorado me procurou e, além de me deixar marcas roxas pela forma que me segurava, quando consegui me soltar, pegou minha bolsa e jogou nas minhas costas.

 

Essas são algumas cenas comuns do dia a dia de uma mulher. Fora o tratamento limítrofe diário. Vou enumera-los:

1- É feio mulher falar palavrão.

2- Não podemos ficar desnudas (usar saia curta, por exemplo), pois senão estamos pedindo para sermos cantadas ou violentadas.

3- Mulher é fraca e sentimental. Fica implícito que não raciocinamos bem, pois nosso julgamento fica à mercê dos sentimentos.

4- Mulher engravida por que quer.

5- Mulher que gosta de sexo não presta.

6- É humilhação para um homem estar abaixo da mulher em qualquer circunstância.

7- Mulher tem que se submeter a um padrão de beleza que só é alcançado através de química e cirurgia.

8- Mulher, de uma forma sútil ou grosseira, vive sendo ameaçada.

9- A mulher não fica com o cara, mas ele espalha que sim.

10- As cantadas e olhadas do dia-a-dia

11- O machismo feminino.

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Esqueci alguma?

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Leituras interessantes:

A importância de denunciar agressões. Blog do Sakamoto.

Relatos pra quem acha que mulher na balada é carne de açougue.

 

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E você? Já sofreu agressão?

 

 

 

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