Dôs: entrando no clima

Diário de viagem: 16/04/22

Acordei às 5:30, cansada, cagada de medo ainda, mas feliz porque o dia ia amanhecer – e vocês sabem, espíritos só perturbam à noite. Me pergunto por quê.

Sem saber o que esperar, desci pra treinar.
Saí a remar com uma junior de 15 anos, Sofia, cada uma no seu skiff. A conheci no dia que cheguei e pensei: novinha que fofinha. Sofia queria me degradar, me humilhar – só que eu ainda não sabia.

No Brasil, saímos aquecendo com calma, fazendo técnica. Aqui, como aprendi no Chile, não rola isso não. Ou rola só que já socando as pernas no fincapé e querendo andar na frente da amiguinha. Ou seria da inimiguinha? Me disseram que iríamos juntas, mas o que ela entendeu de juntas era com um ou dois barcos na frente do meu – imagino que rindo da minha inocência com as retas do rio. Fui remando sem noção de nada. Pancho me corrigia, mas admito que eu pouco absorvia. Meu cérebro estava bugado, meu corpo dolorido dos testes de ontem e a menina na minha frente. Pancho falava da minha postura, do agrupamento das pernas, da antecipação da virada das pás. Certa hora pediu para a menina fazer escola, me dando tempo para avançar. Que fase, Fernanda Nunes, que fase. Meu pulso não subia e o barco realmente não estava tão ajustado pra mim – falo comigo tentando manter a cabeça fria. Paramos no nono quilômetro pra beber água e peço uma chave 10 pra subir meu fincapé. Pancho me manda sair antes de “Sofi”. Me sentindo um pouco melhor saio no intuito de segura-la. Abro uma boa distância. Toma essa Sofi! Ela olha pra trás me caçando. Ah, danada! Essa tem o espírito e eu adoro. Daí ela mostra que é local, tem a malandragem das retas, é competitiva e encosta. Minha moral já dá aquela balançada. O treinador me grita para remar como una chica de 1,90m e não como uma “tortuga” (tartaruga). Ei, ei, ei, peraí, meu anjo, mais respeito com a baixinha aqui. Eu sei que sempre remei meio debruçada sobre as pernas, mas fazia isso e ainda avançava o máximo do carrinho. Virava a verdadeira pokebola. Agora parece que não mais. Provavelmente passei a proteger o quadril esquerdo, aparentemente mais instável.

Segui até onde começavam as marolas e Sofia mais uma vez me disse “ahora vamos juntas porque acá é peligroso”. Peligroso é uma das palavras mais deliciosas de se ouvir. Nem na marola, nem na marola ela foi hospitaleira com a tia. Seguiu na frente.

Finalmente, encostamos e ela era sorriso de orelha a orelha. Seus pais foram campeões do clube San Fernando e agora são treinadores aqui. De alguma forma senti alegria no olhar dela de iniciante e lembrei como é bom ter um skiff ao lado para me desafiar. Sequei o barco e fui comer, tomar banho, descansar. Almocei com a Patrícia, uma master daqui que queria saber mais sobre o Elas que Remam. Na conversa sobre mulheres, remo e lobos, Pat se emocionou e eu entendi que muitas mulheres precisam disso.

Fui dormir.

À tarde desci pra alongar enquanto Pancho e Vicky treinavam. Conseguiram um chip de telefone pra mim e frutas e legumes. Quase entreguei os meus papéis de adoção. Adoraria ser adotada já velha. Tenho pai e mãe, mas essa conversa dolorida fica para uma outra hora.

Subi para a torre da rapunzel descabelada e dormi.

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